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A conexão entre Pep Guardiola e Marcelo Bielsa

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Considerados os treinadores mais influentes no futebol, eles não são ligados por um estilo ou conceito, mas sim pela ideia inegociável de melhorar seus jogadores como seres humanos Nem Johan Cruyff, nem ele mesmo – Pep Guardiola sempre foi categórico ao afirmar que o melhor treinador do mundo é Marcelo Bielsa. Eles já se encontraram algumas vezes na Premier League, na qual o Leeds conseguiu o acesso justamente após dois anos de trabalho do argentino.
Bielsa é uma figura daquelas que inflama paixões. Ao mesmo tempo que é tema de calorosos debates e uma fan base até chata na defesa, também é visto como um autêntico fracassado: apenas seis títulos em mais de trinta anos de carreira.
Pep Guardiola Marcelo Bielsa
Reuters
Coisas que não se anulam. Até se complementam na missão de entender o que conecta Guardiola e Bielsa: usar o jogo como uma ferramenta para interpretar a vida.
Já são quase 14 anos desde o sucesso instantâneo do Barcelona de Pep. Aquela equipe apresentou o técnico ao mundo como o vencedor de uma marca de futebol, de um estilo extremamente único, rígido em sua meta de colecionar jogos com mais de 75% de posse de bola e transformar times como Manchester United e Real Madrid em equipes normais Ao mesmo tempo, Bielsa reformava a Seleção Chilena num time também protagonista. Depois, no Athletic Bilbao, eliminaria PSG e United para levar o modesto elenco basco à final da Liga Europa.
Ele é provavelmente a pessoa que mais admiro no mundo inteiro. Como pessoa e como treinador. Ele é o treinador mais autêntico em termos de como treina e conduz seus times. Ele é único e especialmente seu comportamento fora do futebol, com a imprensa, com as pessoas. A importância de um treinador não está nos títulos, mas no conhecimento do jogo e do treino, algo que ainda me considero longe dele
Guardiola sempre elogiou Bielsa. No artigo “Los Buenos”, escrito para o jornal El País dois dias antes da final da Liga dos Campeões de 2008/09, Pep narra seu primeiro encontro com Bielsa, quando era um jogador recém-aposentado e estava passeando em Buenos Aires. A convite do cineasta David Trueba, Pep passou 11 horas na casa de Bielsa, onde conversaram sobre cinema e obviamente futebol.
Foi um encontro que fez Pep ter certeza de que queria ser treinador – assumiria o Barcelona B no ano seguinte. Também mostrou o que há de mais forte e sólido nos dois: a fome em desenvolver e despertar o melhor nos seres humanos que comandam.
O legado de Pep e Bielsa é muito atrelado a um estilo. Por serem dominantes, com a bola, logo se criou uma visão muito romântica sobre os dois, como se fossem paladinos de um determinado jeito de jogar e não negociassem, jamais, suas ideias. Inclusive essa frase aparecia muito entre fãs e defensores do DNA do Barcelona: “nós não negociamos nosso estilo”. Só que há um problema em pensar o jogo a partir de estilo: ele é subjetivo e incerto. Não que o futebol não seja subjetivo, mas estilo é uma concepção tão pessoal que tende a ser preenchida por valores maniquístas, como ofensivo ou defensivo, bom ou ruim.
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O tempo se encarregou de mostrar outras facetas de Pep. Nos primeiros confrontos do Manchester City contra o Barcelona, o City venceu tendo menos de 35% de posse. Nos primeiros anos de Premier League, Pep ensaiava ligações diretas de Ederson para Gabriel Jesus, abrindo espaço para De Bruyne, quando não mudava o posicionamento de atacantes e meias de acordo com um adversário. Foi um momento de baixa de Bielsa, que fez campanha decente com o Olympique de Marseille, se recusou a assumiu a Lazio e foi muito mal no Lille, no qual ficou por seis meses, até reaviver a carreira levando o Leeds de volta à primeira divisão.
Em todos os trabalhos – e não levando em conta a análise dos resultados aqui – Bielsa e Pep conseguiram desenvolver jogadores. Não é apenas corrigir um cruzamento, ensinar a melhor forma de bater na bola. É desenvolver o gesto técnico atrelado à leitura dos espaços de jogo – tanto o espaço ocupado pelo próprio jogador como pelo seu time e o adversário, que é o que se chama de tática. É convencer e incutir hábitos saudáveis e atitudes positivas fora dele. Pep e Bielsa não são paladinos de um estilo, são desenvolvedores humanos.
Guardiola cumprimenta Bielsa após o empate entre Leeds e Manchester City
Reuters
laro que com estilos diferentes. Enquanto Pep é mais fechado e foca muito no cotidiano, valorizando o treino como a principal ferramenta de desenvolvimento humano, Bielsa é um técnico de palavras, coletivas fortes e ensinamentos que costumam ecoar. Não é à toa que sua influência no Argentina, seja nos craques que comandou e viraram treinadores – como Gallardo, Simeone, Heinze e tantos outros – seja nos próprios jogadores que o elegem como o melhor com quem trabalharam.
O maior elogio é ter conseguido, através de um grupo de jogadores, aproximar o jogo que eles alcançam do que o futebol, como esporte, pode gerar. Todos os esportes têm um potencial de beleza que é muito difícil de se conseguir e muito mais difícil de se conseguir em uma proporção elevada
A crença que os conecta é de que seres humanos melhores irão jogar um jogo melhor. Veja Raphinha. De desconhecido a titular da Seleção Brasileira, é notória a evolução dele em campo, tanto no que faz com a bola e sem ela, como como membro de um grupo de trabalhadores lutando por um mesmo objetivo. Ele é um dos muitos que foram tocados por Bielsa e conseguiram se enxergar além do jogador que joga por dinheiro, mas da pessoa que representa um escudo, um senso de pertencimento.
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No artigo “Los Buenos” que Pep escreveu, a frase final diz que “Os bons continuam bons quando perdem e quando ganham”. O último duelo entre City e Leeds terminou num acachapante 7 a 0 para os Blues, que encaminham um quarto título inglês sob o comando de Pep. O Leeds tem um campeonato à parte, um título que é se manter na primeira divisão. Não é sobre resultado.
É sobre manter a convicção de ser um humano melhor e fazer as coisas do jeito que se propõe a fazer na vitória e na derrota.
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Fonte: Globo Esporte

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