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sábado, 20 de abril, 2024
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Jorge Braga explica reestruturação do Botafogo e prevê início de ano difícil: “Noite é mais escura antes do amanhecer”

Executivo concede entrevista ao podcast Dinheiro em Jogo, na qual detalha as medidas tomadas em 2021 e adianta próximos desafios na reorganização esportiva, administrativa e financeira Campeão da Série B em 2021, o Botafogo volta à primeira divisão e dá um passo em direção à recuperação esportiva e financeira. Com receitas do escalão acima, sobretudo nos direitos de transmissão, ficará um pouco mais fácil lidar com custos e dívidas que ainda avolumam no clube.
No entanto, ainda levará algum tempo para que dirigentes percebam o alívio no cotidiano, pois pagamentos vinculados ao Campeonato Brasileiro só começarão a ser recebidos em maio de 2022. Jorge Braga, CEO botafoguense, define a situação de uma forma clara e até poética.
– Eu diria que a noite é mais escura antes de amanhecer. Os próximos meses me parecem que vão ser ainda mais difíceis do que os desse ano – afirma o CEO alvinegro.
Em entrevista ao podcast Dinheiro em Jogo (clique neste link para ouvir o episódio), Braga deu detalhes sobre a reestruturação esportiva, administrativa e financeira que está em andamento.
Dívidas trabalhistas e cíveis estão sendo renegociadas via Regime Centralizado de Execuções. Na área tributária, o clube persegue um acordo com o governo via transação tributária. E, assim, com a reorganização do endividamento, avança para a abertura de uma SAF.
Jorge Braga, CEO do Botafogo
Vitor Silva/Botafogo
– Começando com uma pergunta quase pessoal, você está aliviado? Feliz, contente, eufórico? Como você está nesse ano tão difícil?
Sem dúvida, tudo no Botafogo é muito intenso. E é uma mistura disso tudo mesmo. De alívio, no sentido de que a gente viabilizou uma etapa importante, que é o acesso para a Série A. Especialmente pela questão da contribuição financeira, da relevância da marca, da expectativa da torcida, da parte racional e emocional. Mas a gente continua no caminho.
Esse não era o único objetivo. O Botafogo tem o acesso de volta à elite, era uma pedra enorme, gigante, mas não era a única. Especialmente agora, a minha visão é de otimismo, mas com o pé no chão. Porque, de verdade, até maio do ano que vem a gente continua na Série B em relação a receitas. As receitas só vêm a partir de junho. Então, esse é o perigo que eu diria. O maior desafio.
As pressões são naturais na torcida, a pressão de ter um time competitivo para jogar na Série A, mas os nossos desafios financeiros estão cada vez mais agudos. A nossa realidade financeira não mudou, mas a nossa responsabilidade aumentou. A Série B foi uma das mais concorridas, mas Série A é outro departamento.
Então, eu diria a você que a noite é mais escura antes de amanhecer. Os próximos meses me parecem que vão ser mais difíceis ainda do que os desse ano. Mas eu enxergo isso com otimismo.
– Está nos planos, para os próximos meses, segundo a previsão da XP, o Botafogo já se tornar empresa e partir para a procura de investidor no exterior. Em que pé está isso?
Deixe-me dividir isso. Como diria Jack, vamos por partes. Primeiro, esse conceito da Botafogo S/A não começou com minha chegada. É uma decisão estatutária que foi tomada em dezembro de 2019 em assembleia. O próprio conceito, da separação dos ativos e captar dinheiro para enfrentar a dívida e investir no futebol, sempre foi o conceito da Botafogo S/A. O Botafogo foi um dos primeiros clubes a falar e discutir isso de forma muito madura. É um ponto fundamental, ter a maturidade política, que acontece no estatuto, entre os conselheiros, entre os sócios, e o Botafogo foi o primeiro dos grandes a ter essa discussão.
Paralelo a isso, tem outro tema que se mistura que é a lei de modernização do futebol, a lei da SAF. Essa lei, em conceito, é muito parecida com… até porque o Botafogo participou da elaboração da lei… com o que a gente vem discutindo há muito tempo. Cria uma entidade com governança forte, faz uma cisão dos ativos do futebol para essa entidade, capta recursos através dessa entidade, para fazer frente ao endividamento, que é gigantesco, e pode investir no futebol.
O Botafogo vem cumprindo isso passo a passo. Há dois anos, discutiu isso politicamente, estatutariamente, vem evoluindo nesse desenho, mas o que mudou? Mudou a chegada da lei da SAF e a questão do trabalho de casa. Qualquer conversa com investidor, para mostrar que o PowerPoint e o Excel funcionam, tem que primeiro perguntar: quem é o time que está tocando, no conceito de gestão? Me prova que você é capaz de fazer o trabalho de casa? Isso mudou muito esse ano.
É por isso que esse alinhamento entre a maturidade política, a segurança estatutária e a segurança da lei, mais trabalho de turnaround de gestão que a gente vem fazendo, e com abundância de recursos no mundo, isso culminou no processo de atração da XP para buscar um sócio para o Botafogo.
A gente continua marchando na direção de enfrentar o caixa, resolver a relação entre receitas e despesas, enfrentar e estruturar a dívida, solicitamos a centralização das dívidas trabalhistas e cíveis, estamos enfrentando as dívidas tributárias também. E o passo seguinte, que sempre foi planejado, é captar um investidor para poder agilizar esse processo.
– Esse cronograma está para dezembro?
A constituição da SAF vai acontecer esse ano. Isso está muito claro. Inclusive, nesta semana a gente começou. Estamos com o BMA, um escritório grande, o Chico Müssnich é um grande botafoguense, e estamos desenhando o estatuto e as regras da S/A. Vai acontecer esse ano. Mas é um processo que vem acontecendo passo a passo.
– Não é um processo que se faz da noite para o dia.
Eu tenho muita preocupação com isso. Primeiro porque tem um pouco do meu perfil pessoal. Eu gosto de prometer menos e entregar mais. Segundo porque esse assunto foi tratado muitas vezes… e ele gera uma ansiedade muito grande, né? Tem muita expectativa. Desde um time inglês que encontra um sheik árabe, é uma realidade diferente de um time brasileiro, com um compliance, com as dificuldades de endividamento, encontrar esse investidor.
Então, essa questão do tempo é muito sensível. E pode variar bastante. Eu não faço muitas previsões de tempo. Estou mais preocupado em manter um ritmo de execução, passo a passo. O Botafogo tem pressa, mas não pode mais errar, sabe? A gente vem tentando fazer algo bem construído.
– E os valores? Não precisa fazer uma previsão de quanto será captado, mas como necessidade. Nos outros projetos, falavam em R$ 350 milhões, algo próximo disso. Vocês ainda trabalham com esse mesmo valor?
Essa é uma das coisas confidenciais da casa. O que vou dizer é que a gente contratou uma consultoria e fez um valuation próprio. Para não ter uma discussão externa, quanto cada um vai trazer, quanto é que o nosso ativo vale? Isso para nós está muito claro. Inclusive, nesse processo, que eu tenho conduzido, a gente envolve também o Conselho Fiscal, um dos órgãos de controle. Desde a contratação da XP, a discussão do valuation, exatamente agora a minuta da SAF, a ata de constituição, quais ativos fazemos o drop down, com faz essa cisão… Isso tem sido acompanhado pelo Conselho Fiscal.
E você tem razão: não é da noite para o dia, porque tem que fazer direitinho. Você começa separando a unidade do futebol, como é que isso vai se comportar. Parte desse exercício a gente fez lá no plano de credores. Vocês olharam nosso trabalho e tal. Tem um business plano forte e bem estruturado por trás, para apresentar uma proposta de pagamento de credores, e também uma proposta de valorização dos ativos.
– Entre SAF e S/A, com a constituição da lei, passa a ser SAF, né?
Perfeito. Era uma decisão estatutária, e agora é uma lei, é a letra da lei. S/A do futebol.
– Quanto ao modelo, antes se dizia que o Botafogo abriria uma empresa, poderia ser uma SPE com tempo pré-determinado de 30 ou 50 anos, e o futebol seria transferido para essa empresa. Ela seria vendida parte ou inteira, não sei, para investidor. O modelo ainda é esse?
O modelo é basicamente o mesmo. O que a gente enxerga é que existe mais de um perfil de investidor. Que tipo de dinheiro será atraído para esse projeto? Tem um investidor estratégico, alguém que já opera um clube ou mais de um clube fora, que queira uma posição estratégica no futebol do Brasil, da América Latina. Nesse sentido, tanto de operador mundial, quanto de empresas de investimento, tem essa figura da SPAC (special purpose acquisition company), que nos Estados Unidos empilham clubes, fazem uma holding e fazem IPO.
Tem um investidor de dívida, no sentido de que com a segurança da lei da SAF você pode entender isso como uma abordagem, de uma renda fixa, com garantias. Ele empresta o dinheiro, o regime centralizado me ajuda a negociar com credores e diminuir essa dívida, e a gente paga o investidor da dívida.
E tem essa startup do futebol, porque a SAF no final do dia é uma startup, com royalties de 20% da receita. Obrigação de destinar. Que também é outro perfil de investidor, né? Alguém que acredita no futebol, na capacidade do Botafogo como marca. Então, esse é o desenho que pode trazer um, ou uma combinação desses investidores. Esse também é o papel da XP, fazer essa articulação entre os vários perfis de investidores.
– Tem 20% da receita que são bloqueados especialmente para o pagamento de dívidas. Isso para o cara que o Botafogo está devendo é uma boa notícia, mas para o investidor pode ser complicado, porque a dívida do Botafogo é muito alta. Como tornar isso atrativo para o investidor? Quanto tempo se estima que ele se livre dessa mordida na receita?
– O que diz a segurança da lei é que você tem que endereçar 60% das dívidas trabalhistas e cíveis nos primeiros seis anos. E aí você destina 20% da receita. Agora, essa ordenação e a estruturação desse tempo é mais vantajosa do que outros modelos, até em relação aos que estão previstos na lei, como a recuperação judicial. E após esse período, endereçando essa dívida, esse é um gerador de caixa muito grande. Essa S/A com essas receitas gera um retorno muito interessante para o investidor.
É importante lembrar que nesse processo de estruturação da dívida você capta um investidor exatamente para acelerar esse amassamento da dívida. O Regime Centralizado de Execução te dá uma forma mais estruturada, privilegia os menores devedores, mas também permite ordenar essa abordagem. De tal forma que quem quiser receber na frente pode oferecer um desconto maior da dívida. Então, isso permite, em captando um recurso, enfrentar esse endividamento de forma muito mais rápida, agressiva. Quanto mais rápido você reduz a dívida, mais rápido você aumenta o valor dessa S/A. É um mecanismo conjunto. É um ciclo virtuoso.
Agora, esse desenho tem obrigações muito fortes. No próprio RCE você apresenta ao juiz o teu plano de pagamento, de credores. Nós vamos mostrar de forma auditável a receita que entrou, para poder recolher 20%. Ele obriga uma formalização e uma governança, que é a contrapartida do desenho de seis anos.
– Transação tributária é algo que o Botafogo já fez?
A gente tem uma preocupação enorme em poder equalizar também os tributos. Temos discutido isso muito internamente, eu não posso dizer exatamente em que ponto está, inclusive porque é uma exigência de confidencialidade, mas é o nosso foco recente. Dado que trabalhista e cível estão estruturados no plano da SAF, o que está faltando agora é o tributário, e estamos trabalhando duro nisso.
– A transação tributária é uma ferramenta que permite renegociação de dívidas tributárias, impostos não pagos no passado. Ela é feita com a PGFN. É bom colocar em perspectiva, então, porque, entre as dívidas do Botafogo, a tributária está avançando com essa transação tributária, cível e trabalhista são tratadas via RCE. Isso ajuda a reorganizar o endividamento e a mostrar para investidor que o Botafogo é viável.
Perfeitamente. É, no final do dia, uma renegociação das dívidas de forma alinhada. O que é mais bacana é que existiram outros atos. A diferença é que em transações anteriores, como o Ato Trabalhista, os valores eram fixos. Então, especialmente nos últimos dois anos, houve um descompasso entre o compromisso mensal e a receita. No caso do RCE, ele está atrelado ao percentual da receita, então ele é mais justo, porque flutua com a capacidade de pagamento, que também é uma vantagem da SAF.
– Mas ao mesmo tempo, pelo fato de ser algo com um período, são seis anos, se no primeiro, no segundo e no terceiro anos o Botafogo não conseguir pagar um volume bom de dívidas, aperta muito o quarto, o quinto e o sexto. Então, tem que gerar dinheiro. Tem que aumentar a arrecadação. E aí, a gente passa a falar da situação financeira. Como está hoje em termos de gastos? Vocês conseguiram fazer a redução de custos que você pretendia quando chegou?
A gente virou pedra sobre pedra no Botafogo. Revisitamos todos os grandes contratos, fizemos um esforço grande de renegociação, redução, todas as dívidas que não eram core, sem exceção. Inclusive com a questão do futebol. E aí também tem muito do talento da comissão técnica e do Freeland de serem capazes de fazer um time competitivo, com um custo significativamente menor.
Vou te dar um exemplo. Em 2015, último movimento de subida, de acesso, em outubro, o tamanho da folha com comissão técnica e atletas girava em torno de R$ 4 milhões com encargos. Se você corrigir isso com IGP-M, dá uns R$ 7 milhões por mês. Em outubro, a nossa folha completa é abaixo de R$ 6 milhões. Mesmo no período de acesso esportivo comparável, acesso à Série A, estamos falando de uma folha 20% menor do que era em 2015, de forma corrigida.
Quando olhamos o número do ano anterior, tivemos uma queda de receita muito grande. Em torno de R$ 70 milhões é o que está no nosso orçamento, R$ 70 milhões a menos do que 2020, e estamos brigando para entregar um resultado R$ 60 milhões melhor do que no ano anterior. Que é basicamente do esforço de redução, de renegociação, de contenção de despesas.
Claro que isso tem um limite. O desafio do Botafogo continua. O serviço da dívida, mesmo que pacificada, estruturada, organizada, estamos falando de alguma coisa da ordem de R$ 40 milhões por ano. Isso é, dado o cenário do futebol, especialmente para o Botafogo, é muito difícil.
– Dá mais ou menos uns R$ 3 milhões por mês, para colocarmos em uma base mensal. Significa que a dívida toma isso da receita.
Só em juros! Sem enfrentar o principal. É isso que a gente está tentando reorganizar.
– Isso é importante para o torcedor entender. O clube está na segunda divisão e com receitas comprometidas. Volta para a primeira divisão, volta a arrecadar com direitos de transmissão, passa de uns R$ 15 milhões para R$ 70 milhões ou R$ 80 milhões. Mesmo assim, antes de voltar a ter esse dinheiro de primeira divisão, tem muita dívida para pagar. Como vocês estão nas receitas? Em termos de área comercial, relacionamento com torcedor, estádio…
A gente tem feito um trabalho de reinvenção como um todo. Rentabilização das sedes e do estádio é um desafio. Recentemente, a gente voltou a ter lucro na operação. Até fiquei muito surpreso com a reação da torcida. Esse é um número público, de borderô, entre receitas e despesas. A gente reinventou a forma de abrir o estádio baseado na forma de operar, na precificação adequada das áreas e tal. Isso voltou, e a gente passa várias formas diferentes de rentabilização. Alugar o estádio para eventos, estamos numa evolução constante.
Também o nosso programa de sócio-torcedor. A gente o reinventou. Antigamente, o programa do Botafogo era basicamente um season ticket. Um programa de descontos. Acabaram os jogos, não tem ingresso, tivemos que nos reinventar. Fizemos uma profunda pesquisa de perfil, descobrimos que tinha um perfil de torcedor de fora da cidade e do estado do Rio de Janeiro que precisava se relacionar, tinha uma oportunidade de trazer as crias, crianças e dependentes, então redesenhamos o programa para ser baseado em experiência, relacionamento. Criamos um plano com direito a voto. Também tem check-in, desconto em ingresso, camisas e premiações.
Quando você olha a receita média do sócio-torcedor desse novo desenho, é 300% maior do que tinha anteriormente. A base não cresceu muito, estamos hoje com 19 mil torcedores, contra 15 mil quando chegamos em março, o crescimento da base não é grande, mas a reciprocidade, o valor médio da relação do programa, cresceu muito.
A gente vem trabalhando todas as receitas nesse sentido de melhorar, rentabilizar. A própria questão do patrocínio da camisa. Foi uma decisão tomada conscientemente, com apoio do Durcesio, dos estatutários, mas resistir a não destruir o valor da camisa do Botafogo era uma pressão grande, quando você está sufocado por dívidas, folha, funcionários. Mas aparentemente a gente acertou, no sentido de negociar e colocar patrocinadores que tenham um compromisso maior com o valor do clube, não só grana.
O nosso desafio é todo dia, de tentar antecipar receitas, sócio-torcedor, sócio-proprietário. Nosso cenário financeiro é muito complicado. Talvez eu tenha pecado de não explicar isso melhor quando cheguei, talvez se tivesse ficado claro o tamanho da confusão que a gente estava, ficassem mais evidentes as decisões difíceis que tomamos, como desligar pessoas, cortar custos.
A diferença é que eu acredito num caminho. A gente enxerga um caminho, que vem sendo executado para parar a sangria do caixa, organizar receitas e despesas, dar um choque de gestão, credibilidade e transparência, conseguir o acesso à Série A, estruturar as dívidas e captar o investimento para amassar a dívida e investir no futebol. A gente vem cumprindo isso, passo a passo.
– Entrando na gestão do Nilton Santos, em abril você chegou a dizer que estava dando um prejuízo diário de R$ 20 mil. No ano passado, teve um prejuízo de R$ 7 milhões. Pelo que você falou agora, está voltando a dar lucro. E tem a tentativa de extensão de contrato com a prefeitura, o Botafogo tem a concessão até 2031, e essa conversa com a WTorre. Como está isso? O que você pode falar sobre a operação do estádio hoje?
A gente tem reinventado o Nilton Santos de várias formas. A gente sabe o tamanho dele, a relevância, e os resultados têm aparecido pela operação melhor, redução de custos. Por exemplo, a gente assumiu parte da manutenção com o time interno, era uma empresa terceirizada. Então, toda forma de tentar otimizar esse mecanismo de operação do estádio a gente tem feito. Isso passa por várias dimensões.
No último jogo, contra o Operário, tivemos receita de R$ 925 mil, como um lucro, uma margem positiva, de R$ 580 mil. Na expectativa do último jogo, temos expectativa de mais de R$ 1,4 milhão de receita, com uma margem correspondente. Estamos tentando destravar os ativos, e isso evolui com a performance em campo, o engajamento da torcida.
A gente era muito questionado por que não conseguimos naming rights, por que não fazemos mais com esse estádio. Projetos mais sofisticados precisam de mais tempo. Qualquer projeto de naming rights precisa de 15 ou 20 anos para poder rentabilizar o patrocinador. Você tem razão, nosso período é de mais 10 anos, e a gente vem discutindo para ver o que podemos fazer para estender esse período.
Algumas coisas já aconteceram, tivemos uma questão de desequilíbrio econômico com a pandemia, viemos conversando com os órgãos competentes para poder aumentar o prazo do Nilton Santos. Hoje temos conversado com vários players de mercado. Isso é o que consigo dividir com você agora.
– Como fica o estádio dentro do desenho da SAF? Na Europa, é comum que haja um grupo com o futebol numa empresa, o estádio em outra, várias empresas diferentes. No caso do Botafogo, isso até está adiantado, porque já existe uma empresa para gerir o estádio. Como ela cabe nesse projeto de SAF?
A concessão do Nilton Santos pertence a uma outra companhia, ela se chama Companhia Botafogo, e no desenho da SAF o direito de uso será apontado para a SAF. A gente também não tem a propriedade, nós temos uma concessão, então o que é direcionado para a SAF é o direito de uso. A SAF vai ter os ativos do futebol e os direitos de uso: sócio-torcedor, direito econômico de atleta e o direito de usar o estádio, assim como centro de treinamento.
– Essa Companhia Botafogo, até por ter CNPJ e caixa diferentes, ela também tem dívidas diferentes. Como está essa parte financeira dessa companhia?
Não tem nada no Botafogo que não tenha uma dívida ou uma complicação jurídica. Especificamente, é um número público, são R$ 49 milhões em dívidas, mas também estão sendo tratadas no mesmo processo de reestruturação. Algumas renegociações com transação tributária, outras com renegociação com o fornecedor. Estamos endereçando também, da mesma forma.
– Como vocês avaliam iniciativas com participação direta da torcida? Isso é uma estratégia que deve ser constante?
Deixe-me te falar o que acredito. Primeiro, o Botafogo sempre teve muita sorte de ter beneméritos generosos. Isso, graças a Deus. Nem sempre o Botafogo deu essa reciprocidade que esses beneméritos, esses patrocinadores. Mas a nossa convicção é que o modelo de negócio não é sustentável, se você depende dessas contribuições todo o tempo. Inclusive, dificulta o entendimento do torcedor o que é receita, o que é mútuo, o que é aporte. Como filosofia, como modelo de negócio, não se sustenta.
O que a gente tem tentado fazer é exatamente implementar um modelo de gestão que não depende de empréstimos e doações infinitos e recorrentes. A gente entende isso assim e tem tratado assim, até porque o grande mecanismo de relacionamento é o sócio-torcedor, e vamos combinar que nada impede que o camisa 7 tenha 1,5%, 2% da torcida do Botafogo, um número que pode chegar a 30, 40, 50 mil sócios-torcedores, que geraria uma receita significativa e enfrentaria os problemas.
Ou seja, conceitualmente, a gente acredita num modelo sustentável que não precisa dessa ajuda recorrente. Agora, existem projetos e projetos. A gente recebe muito feedback da torcida: “faz um PIX, deixa eu colaborar, como é que a gente pode ajudar?” Então, nós fizemos duas iniciativas.
Uma foi um mecanismo para a chegada do Rafael, a gente renegociou, ele abriu mão de muita coisa, alguns patronos colaboraram com a chegada dele, e agora nós estamos fazendo uma iniciativa formal, o Território Alvinegro, que é o centro de performance. Até para experimentar se essa provocação da torcida, quanto disso vira investimento, retorno. Mas de novo: são projetos pontuais. A gente não acredita nisso como modelo de negócio.
– Nesses primeiros meses do ano, pensando em Série A, existe uma necessidade de reforçar o time. A possibilidade de pedir contribuição da torcida para isso é um plano, é viável?
Nós temos um desafio grande, né? Os ingredientes dessa receita são conhecidos. A gente vai ter que fazer um ajuste pontual no time que tem hoje, entender que o Carioca tem uma relevância relativa, vamos ter que segurar esse investimento até que cheguem as receitas de transmissão, e aí disputar o Brasileiro de forma muito consciente. Fazer isso cada vez melhor.
Acho que tem, especialmente na questão de empréstimo, de mecanismos de… A gente sabe que tem muitos atletas que não cabem nos 33, jogando nos times, e que a vitrine que o Botafogo pode dar é importante, então tem um mecanismo de empréstimo que pode ser usado. E vamos precisar de muito talento agora. O molho secreto para fazer isso é Freeland e Enderson, que vão fazer essa mágica aí. Eles fazem isso bem.
– Em termos de departamento de futebol, chama atenção a eficiência que o Botafogo teve em 2021. É um clube que conseguiu com menos, fazendo reduções de custos, fazer mais futebol do que no ano passado e voltar. Ao mesmo tempo em que Cruzeiro, Vasco e outras equipes tradicionais e folhas até maiores não conseguiram. Qual é a sua participação nisso? E qual é o segredo dessa eficiência botafoguense?
Vamos falar um pouco de filosofia de gestão. Da mesma forma que atletas de alta performance acham que é uma benesse, um privilégio, ser pressionado e cobrado, e Deus dá o frio conforme o cobertor, eu também acredito que grandes gestores performam melhor se forem cobrados. Evidentemente, sendo desafiados, questionados, para darem o que têm de melhor. Não é uma cultura tradicional no futebol, mas eu entendo assim. Que tem coisas que você precisa ver para acreditar, outras você precisa acreditar para ver. Acreditar que é possível, que pode fazer melhor, que pode gerir como se fosse dono, gerir como se cada centavo contasse, é um modelo mental, é uma cultura.
Ela não é a mesma do: “tem que investir mais para ter mais resultado”. Até porque essa correlação ficou clara que não é linear. Existe uma quantidade mínima de investimento, mas ele pode ser muito mais bem alavancado, quando você tem esse puxa e empurra, esse mecanismo de cobrança. Esse foi basicamente meu papel.
Ter gente competente, como a gente tem, na comissão técnica, no diretor de futebol. O “fit” que o Enderson tem, que tem números de scout muito bons, que fez uma campanha impressionante, mas que tem pressão, um desconforto positivo. Nos desafiarmos todo o tempo, em todos os aspectos. Nos custos, na área comercial, em todo lugar é assim. Não é fácil, não é confortável, mas o resultado está aí.
– Nos últimos anos, o Botafogo teve a contratação de jogadores estrangeiros, de renome internacional, sempre dentro de um discurso de fazer um plano de marketing para rentabilizar a presença desses jogadores. No caso do Seedorf, teve um retorno esportivo excepcional, talvez a um preço muito alto. No caso do Honda e do Kalou nem tanto. O Botafogo ainda pensa nisso como um modelo de negócio? Investir nesse tipo de jogador?
Das contas que eu tive chance de fazer esse ano, não vi essa conta fechar. A eventual ativação, seja por mecanismo de patrocínio, seja por mais venda de camisa, ela dificilmente fecha a conta de uma contratação milionária. Pelo menos das contas que eu fiz… No caso do Rafael, na época, inclusive, me emocionou ver alguém que desejava vestir a camisa, de paixão verdadeira. Senão essa conta não fecha tradicionalmente.
O que eu entendo é que existem alguns modelos do fut corp. O modelo de comprar jogador caro e pronto, alavancar a folha de futebol e brigar pelos primeiros lugares é um modelo arriscado, para poucos. E ele sobrevive quando você tem algumas condições, como desequilíbrio das receitas de transmissão e tal.
Existe outro modelo, de formação de base, de construir valor, que vem o tempo, que se perpetua mais. São modelos diferentes. Dado o histórico do Botafogo, os talentos que temos na base, acho que o caminho é continuar desenvolvendo e investindo na base, criando valor nos seus atletas, e não simplesmente comprar jogador caro e pronto para vender jogador barato. Esse é meu entendimento.
É uma discussão de modelo de negócio. Quando você vê um clube como o Barcelona, um dos maiores do planeta, com uma receita de 800 milhões de euros, não conseguir renovar com seu atleta mais famoso por uma questão de compliance financeiro, porque gasta mais do que arrecada, você entende que não é uma questão só de grana. É uma questão de modelo de gestão.
O caminho do Botafogo passa mais por desenvolver e criar valor de base do que ficar alavancado em altíssimas folhas e ficar brigando por altíssimos prêmios. Pelo menos no curto prazo. No médio prazo é isso que a gente pretende, mas no curto prazo essa conta não fecha.
– Como está o desenvolvimento da base? Sabemos que existe um interesse dos Moreira Salles, um projeto, mas o que dá para compartilhar sobre isso?
O que dá para compartilhar é que, de novo, a gente tem muita sorte de ter beneméritos que não desistiram do Botafogo. Os irmãos estão nessa categoria, entre outros. O Botafogo entende que não dá para ter um clube forte sem um trabalho de CT forte, e estamos otimistas que isso se resolva num curto espaço de tempo. Nós temos um projeto de transformação do projeto do CT, de padrões mundiais, e que possa não só ter uma questão do negócio, mas uma questão de formação social, integração na sociedade, que é uma preocupação do clube.

Fonte: Globo Esporte

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